Carrero de Santiago
Pelas estradas cinzentas de Santiago
estás a chegar nessa madrugada!
Daquele carreiro alvejado
riacho no céu, ribeirão estendido
cerne pálido que hor’avisto
haverás de brotar, serenamente.
Lá do clarão dalgum local distante
teus passos serão derramados
como aruvai que se estila
no alambique dessa noite fria.
Pois entonces, desce
prumode nós dois se abraçar
limpei o carreiro, tirei a cancela
vem, que te espero sempre
na vazão desse céu chuviscado
Carrero de Santiago.
Oronio N. Oliveira - 8ª lua de 2010.
O Alto do Dia
Nada mais se ouve, senão o gemido duma lagoa
que outrora habitou
hoje o silêncio dos dias raiados
o grande vazio que desce dos altos das serras
arrancha-se junto ao sertanejo cansado.
Criança não brinca
o gado na sombra
barrenta água que cedo juriti bebeu
enquanto sete-cascas dá flores
da cor do Sol
e o verde chapisca este pálido véu
Santo Sudário,
e as dores cunhadas à mão sertaneja.
No alto do dia vê-se a majestade
do “Forte”...
Ele resiste; a vida suporta as línguas do Astro
no silêncio dos olhos de quem não cansa
a força de dentro, que brilha mais forte
e alcança distante as barras primeiras.
Oronio Nunes de Oliveira, 9ª lua de 2009.
Uma noite sem luz
Porque hoje faltou luz:
meus olhos exaustos resistem
o silêncio chegou mais cedo
as crianças foram amadas
e os casais se deitaram juntos...
Porque hoje faltou luz:
eu ganhei meu céu de volta
e as estrelas submersas
se esforçam por entre os vãos
campeando os derradeiros poetas.
Porque hoje faltou luz:
escrevo à luz de vela
estão todas em suas casas
aquelas jovens, como as lâmpadas,
amarelas
E ninguém bebeu em seus seios
os e-mails não foram envidados
menos bêbados, menos culpados
e os sulinos não puderam
desfilar seus encantos,
sob a cobiça dos meus...
Porque hoje faltou luz:
não veio gente à minha casa
os pastores não celebraram
os passos se apressaram
- faz tempo que gente não desce
pras banda de cá!
O cachorro assustado
o capítulo perdido...
mas felizes de terem vivido
uma noite sem luz.
Oronio Nunes de Oliveira, 25 de dezembro de 2009.
Retirantes
“Na manhã de hoje passei frente a uma rodoviária...
O Sertão chorava a retirada dos seus...”
Que viestes fazer, irmãos meus
pelas bandas de cá
nesses dias trazer sulino engano
das Terras de lá?
Vossos pais hora ficam com olhos vazio
no mesmo vazio de vossos lar
aguardam na fé, São João ou dezembro,
vós torna voltar...
Pra quem vem outros vão. Tirana ilusão
só faz aumentar.
morreu quem já foi, buscou outros dois
pra também matar.
Lhes tira primeiro sagrado e segredo
sua rara nobreza de sertanejar
lho abre um vazio
atado ao grilhão, e encoura a ilusão
de felicidad.
Oronio N. Oliveira - 1ª lua de 2010.
Allá
Volé pa’ lejos de mi tierra, volé
aunque sigo aquí
llevé el cansancio de mi alma
junto al dolor de mi pueblo.
Esos niños descalzos quedan
ese color de silencio traicionero
y todo que sólo vivo aquí
el rojo de los montes sin árbol
cubierto por su dulce sábana de polvo.
Dejo además a mi cuerpo de “Sertano”
rayando por los años que no sentí cruzarme
dejo aquello que no podría llevármelo
a mí mismo en pedazos o por completo.
Vuelvo quizá pero sé que volveré
con alas de golondrina y pecho en sangre
a ver mi gente y mis antiguos dueños
a sentir este viento gitano que me conduce
desde un instante a otros sitios perdidos.
Oronio N. Oliveira - 3ª lua de 2010.
Léguas
Quais léguas te conduzem ao poente
hora escuto no riacho do silêncio
romper desgovernado teu último vôo
cada braça mais falto que estou
de tua presença venerada.
Oh rio vermelho desde o alto das serras
véu santo, cobre minha Sertana
deita sobre ela teus rubros lenços
leva contigo um punhado de vento
para adorá-la mais, levá-la mais;
enquanto fico...
Aparta-nos, léguas dolorosas
que seja lentamente, de morte morrida
morrer a cada metro, a cada passo
e sua fragrância de primeiras águas
goteje braça a braça
riscando por toda andança
meu carreiro até ela!
Agora, que toda manhã,
falto de corpo-presente
no olho-d'água desse rio de léguas,
escorre de contínua por tantas veredas
a sumir de vista
sacia-me a paciência de quem ainda crê
nascer outra vez doutro lado de uma noite
tua face imune de qualquer apartação.
Oronio N. Oliveira - 8ª lua de 2010.
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Murmúrios de Agosto
Suave me chega a vontade de tudo confessar
nessas horas de apenas um céu
timidamente couraçado
doutras banda do véu de lá gotejam
os derradeiros astros
veem morrer sem pressa
no batente da janela.
Tua simétrica apartação
se iguala à desses astros
tua face que me alimenta
também chameja arisca
entre os vãos daquela manta de retalhos.
Nesse porvir de infinito conter
de não haver pintado
as épocas do amor andante,
até o apiá em teus alqueires remotos,
murmúrios de Agosto
clamam liberdade, por fim.
Depois, do Amor o indulto
confio, Imaculada, rogos por mim
clemência seja dada
àquele culpado do mesmo amor
e assim qual morrem inabitados astros
sitiados de poetas
meu derradeiro fim ao lado dela,
ao lado dela...
Oronio N. Oliveira - 8ª lua de 2010.
Louvação a San Palo
San Palo é um buraco
de engolir gente.
Traga todos os dias
os irmãos meus
e nunca sacia o apetite
de sangue novo.
San Palo não vomita
só se a dor dilata
lançou um tal Moreira
que não teve um grão de terra
sertana para se cobrir.
Mas depois de todos,
ainda não irei
só se me chamar o grande Rei
pra deitar noutro chão
quero ver daqui
aquele buraco entupir
com o último fi do Sertão.
Oronio Nunes de Oliveira, 11ª lua de 2010.
Fio de Água Doce
Se eu perdi a fonte do amor,
que não delate em encontrar.
Deve estar a minha espera
como algum desses riachos
dormidas águas...
deve estar!
Sou rês com sede;
cacimba barrenta
não vejo água, faz tempo.
Mas sinto o cheiro
o perfume da fonte
nas derradeiras cavadas;
pois eis que verte
o sonhado fio
de água doce!
Oronio N. Oliveira - 12ª lua de 2010.
Face da Poesia Dormida
Onde estão
os poetas dessa terra...
Vãos?
Irmãos meus,
por que uma só primavera
de tão breve estação.
Levantai
a face verde de vossos campos
levantai a face da poesia dormida
truveja, pois, já a antífona
do recital dos nossos versos!
Ide, profetas
é chegada a hora
antes que o sol se apague
para a luz do grande Rei.
Oronio N. Oliveira - 12ª lua de 2010.
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OUTROS POEMAS
I
Sertanejo Pródigo
Abandonei-me!
Nosso abismo se alarga,
Sertão meu.
Não distingo teu cheiro
de poeira aliviada, de chão batizado
nas águas de março.
Quanto dói, e pesa, e me angustia
ser tocado para longe de ti
por esta era, ventos de junho
calor de fogueira, em cantos
de mim!
Não leio teus versos
nem decifro teus céus
não sei quando chove
tornei-me estrangeiro
sem ramos, sem rezas nem fé.
Que me importa agora
(apenas) o diploma na pasta
com seu odor avacalhado
se perdi a fórmula, o encanto,
o mistério da prece, o medo da “arte”?
Aceita-me, Terra calcinada
infértil como regresso
- desconheço tuas crostas
retorcidas;
que cantam os pássaros;
o abóio do vaqueiro; a lua
arquejada... -
toma teus restos mortais
e abriga-os com teus lençóis,
tecidos de poeira...
Oronio N. Oliveira.
II
À Sombra
Existe um dia em mim que nunca se acaba
longo e curvo como o oceano,
com suas profundezas e coisas.
Só sei que existe um dia que não declina
nunca morre para germinar uma noite de estrelas
jamais fecunda uma lua,
que vive órfã na escuridão de tanta luz.
Ah! Este dia longo como o corpo chileno
que rumino, e me empeçonha,
não sossega, não cansa, não chove
suas horas encalhadas, seus velhos relógios.
Passa e retrocede numa dança sem fim
como se se deixasse sem ir
esgotando, lentamente,
quem fica à sombra desta luz interminável.
Oronio N. Oliveira.
III
A Chegada
Meu primeiro amor
está por vir,
de algum lugar sem destino
talvez de um desamor derradeiro
ou de um olhar acidental.
Tão incerto e tão óbvio,
descerá de um sol cansado
no terminal dos meus sonhos.
Meu amor primeiro
em risos, flores, danças e beijos...
festejando a colheita
dos mais belos dias
atirando-se desgovernado,
e certeiro,
aos meus braços
de Cristo Redentor.
Oronio N. Oliveira.
IV
Vozes
Por que quando escrevo ouço vozes?
De quando em vez ouço vozes:
ouço alguém que me fala
dentro de mim...
Oronio N. Oliveira
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